A mídia burguesa e a educação brasileira
A revista Veja publicou uma matéria em seu site no dia 31/03/2010 (http://veja.abril.com.br/310310/ideologia-cartilha-p-116.shtml) fazendo duras críticas ao ensino de Sociologia e Filosofia no ensino médio, que a partir deste ano é obrigatório em todos os anos do ensino médio. A crítica principal se direciona aos currículos elaborados pelas secretarias estaduais de educação que segundo a revista, seriam “um festival de conceitos simplificados e de velhos chavões de esquerda”, citando vários estados brasileiros. Seus “profundos” comentários se direcionam também aos cursos de Ciências Sociais, que segundo o autor “se ancoram no ideário marxista”. É citado também uma fala do diretor de um colégio particular de São Paulo: “Está sendo duríssimo achar professores dessas áreas que sejam desprovidos da visão ideológica". Para concluir a o artigo, o autor reproduz o pensamento de um funcionário da própria revista que diz “Os países mais desenvolvidos já entenderam há muito tempo que é absolutamente irreal esperar que todos os estudantes de ensino médio alcancem a complexidade mínima dos temas da sociologia ou da filosofia - ainda mais num país em que os alunos acumulam tantas deficiências básicas, como o Brasil". Primeiramente, precisamos reconhecer que o papel da grande mídia no sistema capitalista jamais será neutro, pois as comunicações são os instrumentos de difusão e reprodução de ideologias (tanto no sentido comum, como no sentido marxista), que tem por função representar mentalmente as relações sociais, inclusive a educação.
É sabido que o setor de comunicação no Brasil é dominado por pouquíssimos grupos, que conseguem reproduzir o seu poder por décadas. Entre os principais estão as organizações Globo e o Grupo Abril, que só para se ter uma idéia, é dono dos seguintes meios de comunicação: Editora Abril (Revistas Veja, Quatro Rodas, Placar, Playboy, Vip, Claudia, Caras, etc), Editora Ática e Scipione, MTV Brasil, TVA, etc. Além destas o grupo já foi dono da Directv, ESPN, HBO Brasil, BOL, UOL, etc. A família Civita, proprietária do grupo associou-se em 2006 à Naspers, grupo de mídia Sul-Africano, estreitamente ligado ao Partido Nacional, de extrema-direita, que legalizou o regime do Aparthied naquele país no pós 2º GM. Então não estamos falando de uma revista, mas da aristocracia que controla a mídia no Brasil, que reproduz a ideologia dominante e contribui para a preservação o staus quo.
O ilustre artigo considera a orientações curriculares das Secretarias de Educação esquerdistas. Porque obviamente, para a revista Veja os governos estaduais aliados do governo federal são de esquerda, como o nosso querido Sérgio Cabral (um revolucionário!), então as suas Secretarias tentariam difundir o marxismo, assim como os cursos de Ciências Sociais e Filosofia. Basta analisar as propostas de orientação curricular do Estado deste ano para Sociologia e Filosofia, que fica evidente que o conteúdo a ser aplicado em sala de aula não tem nada a ver com doutrinamento esquerdista.
O autor quer passar a idéia de que os professores de Sociologia e Filosofia são “ideológicos” em frase reproduzida no texto e no próprio título, Ideologia na cartilha, o que demonstra uma profunda ignorância sobre o conceito e sobre o debate sobre a objetividade da ciência. Eu pergunto ao autor: Onde não há ideologia? Até na matemática, na física ou na Educação Física existe ideologia. Quando aprendemos uma determinada fórmula matemática ou uma determinada regra esportiva, poderemos até nos esquecer dela depois, mas a organização mental que foi feita para que aprendamos mesmo que superficialmente estes conceitos ficam em nossa mente. A ciência é ideológica! Todas as nossas idéias são!
A Sociologia e a Filosofia por lidarem com valores sociais, com a nossa cultura, com a nossa visão de mundo estão um pouco mais vulneráveis à interferência da subjetividade individual, e até Max Weber, ferrenho crítico do marxismo, não cria na possibilidade da imparcialidade total no estudo da sociologia, pois a própria escolha do objeto de estudo já é subjetiva (o termo ideológico não caiu bem no artigo do autor- isso sim é vulgar) mas dizia que ela deve ser buscada.
Isso não quer dizer de forma alguma que os professores de Sociologia e Filosofia sejam doutrinadores marxistas, até porque a maioria deles não são sequer marxistas. Quem vive ou conhece o mundo acadêmico e profissional associado às disciplinas de humanas, sabe que o pensamento de esquerda entre os intelectuais brasileiros não está assim tão em “moda”. Hoje nas Universidades o que vigora é um grande refluxo da difusão dos pensamentos de esquerda. Não é coincidência que nas duas disciplinas exista uma tendência ao esvaziamento de matérias e pesquisas que discutam Marx e autores marxistas.
O Nosso papel é ajudar os estudantes a desenvolverem o senso crítico e conhecer a realidade social do mundo onde vivem de forma a compreender que eles são atores sociais, um cidadão e não um mero espectador; que eles têm poder de intervir no mundo onde vive e para isso precisam conhecer a realidade social. Os conhecimentos de Filosofia e Sociologia são imprescindíveis para o exercício da cidadania. A matemática e todas as outras disciplinas são importantes sim. Uma disciplina não é concorrente da outra, são complementares de um único ser humano. E não é “irreal”, que os nossos estudantes não são capazes de “alcançarem uma complexidade mínima dos temas da sociologia ou da filosofia” como reproduziu o autor. Se a educação que oferecemos à população não é melhor, é devido ao descaso dos governos, seguindo a cartilha educacional dominante, de desmonte da educação pública.
Segundo o autor deveríamos seguir o modelo de “países mais desenvolvidos”. Mas quais seriam estes? Qual é a concepção de educação que está sendo difundida? Seria aquela mecanicista, reprodutivista, que conhecemos bem? Tenho certeza que não é uma educação libertadora como a propagada por Paulo Freire, um verdadeiro educador.
Ideológico é o artigo da Veja e as publicações do Grupo Abril, que reproduz trechos das orientações curriculares das Secretarias Estaduais de Educação com comentários embaixo, como se os leitores não fossem capazes de pensar por si mesmos. Cadê a liberdade de pensamento? Antes que pensemos, e Veja já nos diz o que devemos achar. É como um programa humorístico que coloca risadas no fundo para nos avisar quando devemos rir...
Para concluir eu queria deixar uma questão: porquê o ensino de Sociologia e Filosofia, que só começou agora e ainda está em processo de consolidação, está incomodando tanto a aristocracia midiática brasileira?