O macartismo foi um movimento de perseguição ao comunismo e a esquerda, que se efetuou dentro do cenário da Guerra-Fria. Na ocasião qualquer um que estivesse alinhado a pensamentos progressistas e de esquerda era perseguido politicamente e moralmente. As recentes ações da direita nacional lembram o fenômeno histórico do macartismo, mas existe uma grande diferença. Não estamos na Guerra-Fria e o governo do PT é um governo de políticas de direita (vide a lei anti-terrorista do governo Dilma e também o ajuste fiscal realizado contra os trabalhadores). O ciclo de governos que tiveram "origem" na esquerda na América Latina parece estar terminando, seja por conta da vitória de Macri na Argentina ou pelas crises de governabilidade em países como Venezuela e Brasil. Contudo, este cenário político no continente se assemelha muito mais com uma troca de "gerências" do Capital do que uma mudança da esquerda para a direita. O que faz destas posturas extremistas anti-esquerda algo bem anacrônico.
Dentre os absurdos do extremismo direitista temos a perseguição e sistematização de agressões a "cor vermelha". Isso mesmo, uma cruzada de direitistas que baseado no culto das cores nacionais do verde e amarelo atacam qualquer "ente" vermelho. Dentro os casos mais absurdos destacam-se: o ataque físico e retórico a ciclovias vermelhas em SP (que seguem o padrão de cor utilizado em ciclovias em diversas partes do mundo), e a agressão física a pessoas vestidas de vermelho nas ruas. Este tipo de perseguição e ofensa chegou ao cúmulo de serem realizadas contra crianças e animais, hostilizados por conta da cor de suas vestimentas. A palavra de ordem dos verde-amarelhistas é "a nossa bandeira nunca será vermelha", e o ódio a cor propagado viralmente nas redes sociais.
O "verde-amarelhismo" em 2014 serviu como arma subjetiva para a defesa da Copa do Mundo contra os manifestantes que a criticava pelas ruas. Era o verde e amarelo do governo contra o preto dos Black blocs, agora o embate de cores se resinificou. Por mais que o governo do PT não seja comunista (ou mesmo de esquerda) vale discutir o significado político e cultural desta cor, para desta forma dar alguma propriedade ao debate sobre esta "guerra de cores".
Primeiramente, vamos analisar brevemente a simbologia geral da cor vermelha, para depois discutir o seu significado político cultural. Etimologicamente a palavra vermelho tem sua origem no latim vermillus, que significa "pequeno verme", uma referência ao inseto cochonilha do qual é extraído o corante utilizado em tintas, cosméticos e alimentos. No que diz respeito a simbologia desta cor no ocidente, que é marcado pelo pensamento judaico-cristão existe uma dualidade. É notório que teologicamente a cor vermelha está associada ao mal, a representação do diabo é "tradicionalmente" ligada a esta cor. A figura do anjo caído normalmente "veste" vermelho, e muitas vezes também é retratada com a pele desta cor. O inferno para onde são mandados os maus também é predominantemente vermelho, já que no imaginário religioso é pensado como um reino de fogo.
No entanto, não podemos apontar uma dicotomia ente o mal representado pelo vermelho e o bem representado pelo branco/azul. Muitos elementos "celestiais" da cultura cristã são da cor vermelha, por exemplo: o sangue sagrado de Cristo e o coração de Maria. Não é por coincidência que muitas das vestimentas das autoridades religiosas possuem esta cor. Se o vermelho fosse a cor do mal, porque padres e até mesmo o Papa (segundo a crença católica o representante de Deus na terra) vestiram vermelho? Porque os santos e até mesmo Cristo é retratado trajando vermelho? É evidente que a relação do cristianismo com a cor não é simplista e "maniqueísta" (vermelho = mal e Azul = bem). Ao pensarmos outras culturas a associação do vermelho ao mal é ainda mais enfraquecida. Por exemplo, para o pensamento chinês vermelho é a cor do império. Os imperadores, considerados deuses na terra trajavam vermelho. E por isso a cidade proibida, o local mais sagrado do império chinês era predominantemente vermelha. No filme o Último Imperador, existe uma referência bem interessante sobre a associação entre o vermelho e a família real. O jovem imperador Aisin-Gioro Puyi (protagonista da obra) em um surto se remete ao incomodo de estar cercado de vermelho por todos os cantos. Esta relação entre a cor e o sagrado na China é estabelecida milênios antes da influência do comunismo neste país. Nas Américas muito antes da chegada dos europeus, indígenas se pintavam de vermelho com urucum para seus rituais sagrados. A simbologia varia de tribo para tribo, algumas remetem este tipo de pintura a fertilidade e saúde.
Para deixar a coisa um pouco mais complexa podemos pensar a cor vermelha também no que diz respeito a biologia. Na natureza a cor vermelha é rara, normalmente associada a "fontes de interesses". Animais perigosos e peçonhentos "alertam" seus predadores naturais por meio desta cor, enquanto plantas utilizam da mesma para chamar atenção "visando" a polinização. O beija-flor por exemplo, é um animal que é atraído pelo vermelho. Enquanto seres naturais nossos olhos também se adaptaram a ser atraídos por esta cor. Por isso, o vermelho é raro na natureza mais não no mundo humano. Na publicidade é uma constante, as mais diferentes marcas comerciais utilizam-se da cor para atrair seus clientes.
E no que diz respeito a esfera político-cultural? Para além da publicidade a cor vermelho também é utilizada para chamar atenção de outras maneiras. Há milênios bandeiras vermelhas demarcam territórios e apetrechos vermelhos (penas ou fios) em armas (flechas, correntes e lanças) distraem os olhos de guerreiros em batalhas. No erotismo o vermelho também é uma constante, isso é evidente no imaginário cinematográfico da figura da femme falale. A obra a Dama de Vermelho é um clássico, ainda mais interessante é a figura da "mulher de vermelho" no filme Matrix, personagem que distrai Neo (o protagonista do filme) em uma conversa sobre realidade e ilusão.
Por fim, o vermelho é a cor dos movimentos sociais emergentes durante a Revolução Industrial. A bandeira vermelha desde o século XV já era utilizada como simbolo de resistência. Sendo hasteada em castelos, navios e cidades que optavam por ir a luta ao invés de se render frente ao inimigo. Se contrapunha a bandeira branca, simbolo da rendição. A bandeira vermelha ganhou seu sentido político na modernidade com a Revolução Francesa e com a Revolução Russa. Sendo associada a luta política contra a opressão dos regimes monárquicos. Simbolizava o sangue daqueles que caíram em luta na defesa de liberdade e igualdade.
Posteriormente foi resinificada pelos governos socialistas ao se tornar simbolo dos regimes políticos destes Estados. Na URSS foi adicionado o martelo e uma foice, que representavam a união do trabalhador fabril ao camponês. Os sociais-democratas também utilizam o vermelho, quando não a bandeira uma rosa escarlate.
Nesta tradição de luta se inspiram movimentos populares e sindicais até os dias de hoje. Movimentos que foram os responsáveis pela conquista dos direitos sociais e trabalhistas que existem na sociedade contemporânea. Foram sindicatos que conseguiram através de greves a regulação do trabalho, enfrentando o trabalho infantil e determinando valores mínimos de salário e máximo de carga horária. Além de direitos como férias, 13° e seguridade social.
Por fim, a cor vermelha é também simbolo de torcidas de futebol e parte essencial da cultura popular. Pensemos no internacional (que tem uma origem ligada aos movimentos sociais) e no flamengo. Ou em letras de músicas tais como "Vermelho" de Chico da Silva, interpretada por Fafá de belém e Daniela Mercuri. Esta cor também é simbolo de Escolas de Samba (tais como: Salgueiro e Estácio) e utilizada por adeptos ao Santo Guerreiro São Jorge.
A "vermelhofobia" política, esta cruzada dos "verde-amarelhistas" contra a cor vermelha não é um extremismo que atenta somente contra governistas ou mesmo militantes de esquerda. O ódio ao vermelho é uma expressão irracional do extremismo político nacionalista e reacionário contra a cultura popular e suas lutas. E como tal precisa ser criticado e enfrentado.
Por: Diego Felipe,
Professor de Filosofia do IECD, Midialivrista e pesquisador de tecnologias.
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