domingo, 13 de janeiro de 2019

Roma: mais uma obra de romantização do trabalho doméstico.

Um tempo atrás fui ao cinema com uma amiga assistir um filme no "falecido" cinema Odeon no centro do Rio de Janeiro. Na plateia um público predominantemente formado por pessoas brancas de classe média, nada incomum no que diz respeito ao grosso da audiência de filmes mais alternativos na cidade. A obra em exibição era o documentário "Doméstica" de Gabriel Mascaro, muito elogiado pela crítica na época. Como filho de uma forte mulher que desde os 13 anos de idade fez deste tipo de trabalho seu sustento, me senti enojado com tudo que vi. Não faço aqui uma crítica as qualidades técnicas da obra, mas sim uma reflexão que se relaciona a ideologia por trás do documentário. Me enoja quando histórias são contadas de formas românticas para ocultar perversos processos de exploração e desigualdade. Na grande tela do Odeon acompanhei um compilado de histórias de trabalhadoras contadas do ponto de vista de seus patrões. Uma obra que no com certeza só veem a reforçar o discurso ideológico de que "a empregada é parte da família". Um "mito" terrível que serve para esconder a super exploração destas trabalhadoras.

O trabalho doméstico precário no Brasil é uma herança maldita do seu passado escravista, sendo as disputas em torno dos direitos destes trabalhadores uma tensão constante ao longo da história. Por todo mundo e especialmente na América Latina este tipo de trabalho é extremamente precarizado. Normalmente o trabalhador doméstico é do gênero feminino, pois a atividade esta atrelada a uma visão machista de divisão social e "cuidado do lar". Em sua maioria imigrantes, indígenas e outras mulheres fragilizadas socialmente, o que garante a maximização deste tipo de exploração.  É interessante notar, que mesmo os setores "progressistas" de nossa sociedade possuem "rabo preso" no que diz respeito a questão. Falar de liberdade e igualdade é sempre muito bonito, mas não é cômodo discutir algo que ameace a classe média e alta de ser obrigada a fazer sua própria comida e limpar sua própria sujeira.

O filme "Roma" é mais uma obra cinematográfica que apresenta a vida de uma empregada doméstica pelo olhar do patrão. Na película vemos uma jovem "perder toda sua vida" trabalhando como uma "mucama" satisfazendo os caprichos de uma família de classe média no México dos anos 70. Um retrato visual de um processo de exploração que tenta se justificar mais uma vez pelo argumento de "ela é parte da família ". Um filme tecnicamente belo, mas que ideologicamente é desserviço. No máximo serve para ilustrar como as elites produzem muitos materiais para tentarem disfarçar das formas mais requintadas as opressões que as sustentam.

O cineasta apresenta a exploração da doméstica em curtas cenas em paralelo ao sofrimento da patroa que como mulher parece"compartilhar um universo muito parecido como o de sua empregada". As duas mulheres são "abandonadas" por seus companheiros, ambas sofrem e se ajudam psicologicamente formando uma "grande família". A precarização e opressão a trabalhadora aparede, mas para de alguma forma ser conciliada pela história. O final do longa é o auge deste "conto mitológico"(atenção ao spoiler). A empregada perde o filho que estava esperando, não desejava. Uma cena triste, mas que revela a grande "moral" por de trás da trama. Ela não precisava de prole, pois já tinha a sua família: sua patroa e os filhos dela.

Muitos críticos vão defender que é um "conto" sobre a realidade da época, e que para ser realista nada mais natural que exista uma sintonia ideológica entre empregado e patrão. No entanto, podemos afirmar que dá para ser realista tratando a exploração de forma reflexiva. O Filme nacional "que horas ela volta" faz isso muito melhor.

Infelizmente a maioria das obras que discutem o tema do trabalho doméstico acabam sendo "a classe média falando pelas trabalhadoras de forma romântica". Materiais "difíceis de engolir" pra quem conhece a realidade e as sutilezas deste tipo de exploração.

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